quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Lira V

Acaso são estes

Os sítios formosos.

Aonde passava

Os anos gostosos?

São estes os prados,

Aonde brincava,

Enquanto passava

O gordo rebanho,

Que Alceu me deixou?

São estes os sítios?

São estes; mas eu

O mesmo não sou.

Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou.

Daquele penhasco

Um rio caía;

Ao som do sussurro

Que vezes dormia!

Agora não cobrem

Espumas nevadas

As pedras quebradas;

Parece que o rio

O curso voltou

São estes os sítios?

São estes; mas eu

O mesmo não sou.

Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou.

Meus versos alegre

Aqui repetia:

O eco as palavras

Três vezes dizia,

Se chamo por ele,

Já não me responde;

Parece se esconde,

Casado de dar-me

Os ais, que lhe dou.

São estes os sítios?

São estes; mas eu

O mesmo não sou.

Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou.

Aqui um regato

Corria sereno

Por margens cobertas

De flores, e feno:

À esquerda se erguia

Um bosque fechado,

E o tempo apressado,

Que nada respeita,

Já tudo mudou.

São estes os sítios?

São estes; mas eu

O mesmo não sou.

Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou.

Mas como discorro?

Acaso podia

Já tudo mudar-se

No espaço de um dia?

Existem as fontes,

E os freixos copados;

Dão flores os prados,

E corre a cascata,

Que nunca secou.

São estes os sítios?

São estes; mas eu

O mesmo não sou.

Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou.

Minha alma, que tinha

Liberta a vontade,

Agora já sente

Amor, e saudade,

Os sítios formosos me agradaram,

Ah! Não se mudaram;

Mudaram-se os olhos,

De triste que estou.

São estes os sítios?

São estes; mas eu

O mesmo não sou.

Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou.

Marília de Dirceu
Blackbird singing in the dead of night,
Take these broken wings and learn to fly.
All your life,
You were only waiting for this moment to arise.

Blackbird singing in the dead of night,
Take these sunken eyes and learn to see.
All your life,
You were only waiting for the moment to be free.

Black bird fly, black bird fly
Into the light of the dark black night.

Black bird fly, black bird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly.
All your life
You were only waiting for this moment to arise
You were only waiting for this moment to arise
You were only waiting for this moment to arise

melhor cover da história


Shuichi Nakano

 

Os Ombros Suportam O Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade